Práticas de saúde e higiene
No tempo antigo (até 1970) muitas casas não estavam ligadas às redes de água e de coleta de esgoto. A água era obtida através de poços artesianos, enquanto o esgoto era jogado diretamente em uma fossa. Sempre que ela ficava cheia, fechava-a com terra ou cepilho e pó de serra, abrindo outra ao seu lado. O problema maior, principalmente na zona urbana onde os terrenos eram pequenos, era que os poços ficavam muito próximos das fossas, contaminando toda a água a ser consumida em casa. Poucas famílias ferviam a água antes de beber ou usar na culinária. Naquele tempo, as residências da periferia sequer possuíam banheiro interno, porque as casas eram de madeira e a água não era encanada. A privada era uma ‘casinha’ de madeira nos fundos do quintal. O banho era feito em uma bacia, sendo usual que as crianças lavassem apenas os pés e as mãos antes de dormir. Um banho mais demorado, de corpo inteiro, ocorria aos sábados, ou nos dias especiais com festas.
Educação e ciência
As crianças andavam descalças e não tinham hábitos de higiene. Por isso, o esforço do sistema educacional de levar a ciência para dentro das salas de aula, dando um mínimo de noção de higiene, como lavar as mãos, ferver a água antes de beber, lavar os frutos, andar de sandália ou sapato, trocar de roupa, tomar banho, limpar as unhas … Também foi através da escola que se conseguiu promover um sistema de vacinação contra doenças tradicionais e até distribuir medicação básica – como purgantes, às crianças enfestadas por vermes.
Com a falta de água encanada e rede de esgoto, geralmente os terrenos eram contaminados com vermes, especialmente as lombrigas, tornando a saúde das crianças bastante debilitada. Era comum encontrar valas pelas ruas onde corria esgoto a céu aberto. As casas ribeirinhas também jogavam o esgoto direto no rio, sem qualquer tratamento.
Na medida que a cidade foi se urbanizando – após a década de 1960, a população brasileira de modo geral começou a migrar para os centros urbanos – as valas a céu aberto que corriam nas ruas foram canalizadas; as ruas calçadas; as casas passaram a receber redes de luz, água e esgoto; as patentes foram substituídas por banheiros internos de alvenaria (mesmo nas casas de madeira); as crianças frequentavam regularmente as escolas e recebiam orientações sobre higiene pessoal; começaram a ocorrer vacinação e medicação frequente por iniciativa pública; a higiene e o asseio pessoal passou a ser valorizado socialmente … tendo como consequência direta a diminuição drástica da mortandade infantil.
Amarelo da goiaba
Naquele tempo não existia ainda a consciência sobre o que chamamos atualmente de bullying. Sendo assim, toda criança que apresentasse alguma anomalia ou diferenciação era, imediatamente, ironizada. Como os vermes faziam a barriga ficar muito inchada, protuberante, as crianças eram logo chamadas de ‘barriga de bicha’ (referência aos vermes). O mesmo acontecendo com quem tinha vermes que causavam anemia e alteravam a cor da pele. Uma doença muito comum era o ‘amarelão’ porque as crianças que tinham vermes acabavam comendo barro, caco de telha, pedaço de tijolo … sendo chamadas de ‘amarelos da goiaba’. O mesmo ocorria com outras crianças com hábitos poucos higiênicos, como: ‘papa-ranho’, ‘papa-unha’, papa-barro’. O memorialista Isaque de Borba Corrêa recuperou esta trova popular do tempo antigo na região de Camboriú:
Amarelo do caco de telha
Morreu no mês de janeiro
Se não fosse o caco de telha
Durava o ano inteiro.
Texto: Magru Floriano
Fonte: CORRÊA, Isaque de Borba. Poranduba papa-siri. Camboriú: ed. autor, 2001.